segunda-feira, 22 de junho de 2015

Orixás tem fome

Não sou estudiosa das religiões que vieram da África no tempo dos escravos, até porque não há literatura. Todo o conhecimento segue pela tradição oral. Também não sou antropóloga, infelizmente.

Por curiosidade iniciei-me na religião de Nação no início dos anos 90, confesso que também passava por crises pessoais e profissionais. E, aos poucos, fui conhecendo os rituais e alguns fundamentos. Queria saber mais, mas não havia livros sobre isso. Então perguntava sem parar a ialorixá de Xapanã.

Muitos anos antes fui avisada de jamais botar sangue na minha cabeça. Ignorei. Então o tempo foi passando e eu entrando em depressão, angústia e muitas perdas. Fui embora da casa. Depois entrei em outra e mais outra. Após alguns anos com algum conhecimento finalmente fui entregue ao orixá Iansã, aquela que cavalga no vento. As peças do quebra-cabeça da minha vida se ajeitaram no tabuleiro, finalmente!

No entanto, não é sobre isso o propósito desse artigo. É sobre o susto que levei ao me iniciar há dois anos na religião tradicional iorubá provinda da Nigéria. Com nomenclatura diferente do que havia penosamente aprendido com os batuqueiros da Nação cabinda, gêge, nagô, oió, nesse templo fui entregue a Obatalá. Então em cada lugar que me meti fui de Oxum Docô, Oxum Demun, Iansã com Ogum; depois Iansã com Xangô e por fim Obatalá, o orixá supremo.

Na religião nigeriana não encontramos canjica nem milho torrado e absolutamente não se faz despacho em ruas, matas ou praia. Tudo é feito dentro do templo. Ali ninguém encontra imagens de santos católicos nem as figuras de rabo e guampa. É uma ofensa o sincretismo que o pessoal da Nação e/ou Candomblé costuma fazer, como se isso fosse o correto. No altar nigeriano há vultos esculpidos em madeira. Enfim, sobressaltada com tanta diferença ocorreu-me que mais uma vez essa também não era minha praia. Lá pelas tantas sentia falta de estourar uma pipoca, oferendar uma canjica com mel, enfim, fazer o que havia aprendido. Então, pedindo perdão ao chefe da casa e aos deuses me retirei novamente, procurando dentro de mim aquilo que trago de vidas anteriores, já pronto: a feitiçaria dos celtas, meus antepassados. Mas aprendi a amar os orixás, cada um deles me trouxe um aprendizado profundo, sobre eu mesma e a natureza.

Confesso que o que me fez fugir da religião nigeriana foi as oferendas todas feitas com animais. A sacralização dos animais em oferenda aos orixás bate forte dentro de mim. E agora acredito que o sangue derramado respeitosamente nos rituais é o fundamento primordial das religiões de matriz africana. Aceito, respeito, mas não posso mais compactuar com isso. Meu sofrimento estraga a magia com o sangue. Não quero mais sangue! Talvez diga aqui uma enorme bobagem, mas quem tem sede de sangue não são os orixás, são os homens no afã de religar-se ao divino. Os orixás não tem fome. Nós temos!

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