terça-feira, 26 de julho de 2011

Um bolo para Lilith

Oferenda para Lilith
- Muito prazer, eu sou Eukaris. Agora estou te conhecendo melhor, minha amiga Lilith. Cumprimentei-a, sabendo que a palavra "amiga" era apenas uma maneira simpática e cordial de me apresentar.
Lilith me ensinando a ser mulher sem precisar ser mãe

No início dos anos 90, quando me iniciei na astrologia, vendo pela primeira vez com alguma compreensão meu gráfico astrológico, vi que minha Lilith estava na casa um casada com Plutão em Leão. Todo o mundo interceptado! Plutão em Leão é minha marca pessoal, aquela de gostar de vestir roupa preta de couro, saia justa, salto alto, meia arrastão ou com costura atrás, cabelão vermelho, louro ou preto. Sem meio termo, 8 ou 80. Plutãozinho rege a minha casa quatro, as origens, a família e pra onde vou quando morrer. Aliás, morrer é seu território conhecido.

CAFÉ COM LILITH

Então naquela tarde cinzenta, lá estava eu e Lilith tomando café com uísque e conversando sobre a magia de ser mulher, com seus mistérios, encantos e feitiços. Lilith esparramada no sofá da sala, fumando um cigarro e lendo a revista Planeta, me respondia com alguns grunhidos o que gritava lá da cozinha onde batia um bolo de chocolate e cerejas. Ela pediu:

-Apague essa tevê e bota um som zen pra gente curtir.

Limpei as mãos no avental xadrezinho e fiz o que ela pediu. Botei um disco da Enya. Sim, era um vinil mesmo, no início dos anos 90 não tinham inventado o cedê...

Voltei a bater o bolo e cozinhar a cobertura de chocolate, feita com leite condensado. Lilith perguntou:

- Vai demorar muito este bolo? Estou com fome!
- Não, daqui uma hora estará pronto.

Abri as cortinas da janela da cozinha em estilo country, xadrezinhas em laranja e branco. Botei a mesa com xícaras de porcelana. Retirei do forno os salgadinhos amanteigados. Reguei as pequenas margaridas da janela. Minha casa era um brinco. E perguntei à bela Lilith que fumava com as pernas pra cima do encosto do sofá:
- Amiga, afinal, o que queres tu de mim?
- kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, gargalhou. Quero que aprenda a ser sedutora, mulher de mil segredos, conhecedora da magia, dos astros e estrelas. E que saiba fazer sexo para nenhum homem jamais esquecê-la!

Sentei na cadeira da minha cozinha adorável, e segurei o queixo com a mão, em entender.

- Ahhhhhhhhhhhhhh... mas não quero nada disso! Quero fazer bolos, comida gostosa, ter um marido carinhoso, usar avental, arrumar e enfeitar minha casa, e ter meia dúzia de filhos!

Um silêncio preocupante. Como ela não disse nada, gritei:

- E quero morar no campo, ter um jardim para cuidar, plantar margaridas e crisântemos, receber amigos nos fins-de-semana, um galinheiro e umas cabritas...

Lilith continuou em silêncio. "Ela está expressando seu meio do céu em Touro... tadinha"

Finalmente o bolo ficou pronto. Uma linda mesa redonda com flores do campo, pasteizinhos de forno, pão de queijo, e brioches... Batendo seus saltos altos no piso de madeira, Lilith se sentou a mesa. Elogiou minhas habilidades cancerianas. Seu vestido vermelho farfalhante fazia barulho cada vez que ela se servia de doces e mais uma xícara de café, sem açúcar.
- Tudo maravilhoso, minha querida Eukáris. Já descobriu que seu nome significa "deusa da reconstrução"? - explicou me olhando nos olhos enquanto acendia um cigarro marrom, daqueles franceses, dizem que são os melhores do mundo.

Com os dedos lambuzados de chocolate, mascando uma doce cereja, perguntei:

- Tá querendo me dizer que nada disso na minha vida será possível, nem filhos, nem marido carinhoso, nem sexo no feno, cabritas, jardim ou galinhas botando ovos...
- Sim, respondeu secamente. - Está aqui nesse mundo pra aprender outras lições. 
Com os olhos cheios de lágrimas, aceitei o fado que os deuses estavam me impondo.

- Mas não vou ter nenhum bebezinho com a minha cara e com a cor do meu cabelo? - choraminguei comendo o quinto pão de queijo.

- Chega de comer, mulher bruxa burra! Vai tirar o avental, tome um banho de espumas, perfume-se! Urano no seu ascendente vai te aprontar poucas e boas!

Levantei da mesa e fui lavar os pratos. O gato preto subiu no meu ombro ronronando.

Lilith dizendo que já estava na hora de encontrar com seu marido Plutão, foi até a porta. Com o farfalhar de seu vestido de tafetá vermelho, virou-se para mim lá na pia da cozinha e explicou:

Chegará um dia que agradecerá por ter perdido todos seus filhos, Júpiter está te protegendo de pesada cruz para carregar, de crianças com problemas, doentes, mal-formadas... Um dia agradecerá por não ter sido ser mãe! Você é uma bruxa que não precisa passar por tudo isso de novo. Seus filhos é a humanidade.

Eu só queria morar no campo, ter fraldas pra lavar, cabritas, jardim e um galinheiro. Júpiter no Meio do Céu  tinha outros planos: mãe da humanidade
E saiu porta afora batendo os sapatos vermelhos de saltos 15.

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